A realidade impõe-se diante do sonho brasileiro, a indústria fonográfica vive momentos delicados, e becos sem saída cercam por todos os lados a produção musical da nova geração. Pode parecer contraditório, mas, em termo de rock?n?roll, até aí, tudo bem. Se tem uma coisa que a história ensina nesse assunto, é que a crise faz bem ao rock. Nos momentos economicamente mais complicados, ele costuma crescer e sair da lama, revelando bandas e canções que batem no gosto popular. Por essas e outras é que este disco de estréia do Crase não poderia chegar em melhor hora. Caio Fonseca (voz, piano e guitarra), Alex Pagy (guitarra), Tássio Rosa (baixo) e Leo Clark (bateria) trabalham como se não tivessem nada a ver com o feioso panorama atual da América do Sul. E acertam justamente por não se deixar contagiar, nem pela ira cega e seu caminho fácil de rebeldes (ainda que ?com causa?), nem pelo adesismo ?esperto? a tendências supostamente apoiadas pelo retraído mercado. Já deixaram a inocência para trás e ralaram muito tempo em outras bandas até chegar aqui. Como eles mesmos salientam, já passaram por ?todo o tipo de roubada?, já foram literalmente à falência, tendo que vender os instrumentos para pagar as dívidas. Sabem que não têm tempo a perder e vêm armados de sinceridade, competência musical e, mais importante, uma rara sensibilidade melódica espraiada em composições inspiradas.
O pianista e vocalista Caio Fonseca , autor de todas as doze canções (três em parceria), foi menino-prodígio do piano e por pouco não trilhou a carreira de concertista. Aos 10 anos de idade, passou em primeiro lugar na UFRJ, teve aulas com um mestre, Heitor Alimonda... Mas a paixão pela música popular, em especial a brasileira, o levou a desistir da vida de conservatório. Fã de bossa nova, ele sempre teve inclinações roqueiras, mas, de uma forma menos comum entre sua geração. ?O rock que me pegou nos anos 80 era o de bandas como Cure, Gang of Four, Siouxsie... E o que eu gosto de ouvir hoje em dia é Super Furry Animals, Elbow... Ou ainda Pulp, que não tem ressonância tão aparente no nosso trabalho.?
A partir dessas referências contemporâneas de bom gosto pop, Caio cria melodias de uma forma muito rara no rock brasileiro. ?Antes da letra, eu escrevo a melodia na pauta. Para mim, é mais fácil do que improvisar. Vejo intervalos mais interessantes de uma nota para outra e vou trabalhando. E mesmo quando a coisa nasce de um improviso, eu coloco no papel e dou uma burilada?, conta. Esse diferencial que já vem no berço das composições salta aos ouvidos.
Quem escuta ?Viva Voz?, a imponente primeira faixa, ou ?Claridade?, a balada que já está tocando nas rádios, tem a impressão de que o rock brasileiro está saindo de uma era de trevas. O gênero que andava se afastando do gosto popular reaparece em formatos mais acessíveis, acariciando tímpanos e corações. Adeus pula-pula, cotoveladas e empurra-empurra, que o mundo lá fora já é violento demais. Crase convida o público a se emocionar com vocais suaves, nada exaltados, expondo uma fragilidade masculina que deixa as meninas mais à vontade para chegar na frente do palco.
Sem jamais descambar para o xerox, os arranjos de guitarra expõem influências de bandas inglesas atuais ? e isso é feito com extrema competência, é bom, é salutar! Pois não foi desse jeito que a geração 80 trilhou seu caminho, a cada dia mais valorizado? (Vale notar o sotaque brasileiro na melodia de ?Claridade?, reafirmando que Crase é um acento que não existe em inglês...)
Na hora de escolher o produtor, o galês Paul Ralphes era a opção número um do quarteto. Seus trabalhos anteriores com Skank (Siderado) e Kid Abelha funcionavam como excelentes cartas de referência. Foi Paul quem, munido de bom gosto e de experiência, convenceu a banda a limar alguns sintetizadores com sonoridades oitentistas (influência do Pulp) que poderiam ser incompreendidas. No fim das contas, predominaram os timbres clássicos de Mellotron, Fender Rhodes e Hammond.
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